Inteligência Artificial na Justiça: o Direito está realmente usando?

Que a tecnologia está revolucionando a prestação de serviços jurídicos, não há dúvida. Especialmente em função do volume de processos e a demanda para a análise de quantidade massiva de informações, das mais variadas fontes.

Mas ainda existe uma curva de aprendizado relevante sobre a aplicação correta das diferentes ferramentas sobre o uso de big data e inteligência artificial.

Antes de tudo isso, os profissionais precisam entender que problemas querem resolver, os conceitos relacionados ao uso das novas tecnologias e, só depois, buscar as ferramentas e técnicas mais adequadas. O primeiro passo é sempre organizar os dados internos e, ao usar automação e técnicas de BI (business intelligence) sobre dados estruturados, já resolvemos muitas questões.

Nesse cenário, um dos temas mais importantes para se entender é a diferença entre dados estruturados (já lançados em algum tipo de sistema) e não estruturados. O avanço da tecnologia nos últimos anos, a diminuição do custo de armazenamento e processamento, impulsionaram a possibilidade de transformar textos escritos em papel escaneado, áudios, vídeos, entre outros, em um formato numérico, isto é, em linguagem computacional. Esse é um dos principais fatores dessa revolução digital, uma vez que 80% dos dados produzidos no mundo são considerados desestruturados.

E qual o impacto de tudo isso no Direito?

Os dados estruturados nos sistemas disponibilizados pelo Poder Judiciário e sistemas de gestão de processos, muitas vezes, não permitem pesquisas mais avançadas para o suporte à decisão de problemas jurídicos. Se buscamos por erro médico e ali estiver descrito apenas ação indenizatória, já não conseguimos delimitar a população exata para se entender a quantidade de casos e onde estão, o tempo de duração desse tipo de processo em uma vara ou comarca, como os juízes estão decidindo essa questão e as demais variáveis necessárias para sugerir a chance de ganho ou o valor ideal de acordo. 

Assim, temos usado inteligência artificial, numa primeira camada, para buscar as informações nos próprios documentos (petições iniciais, por exemplo), para a organização da base de dados de forma mais precisa.

Recentemente colaboramos em um estudo, com a utilização da tecnologia e as demais técnicas desenvolvidas pelo Convex Legal Analytics da Softplan, para ler documentos de mais de 65 milhões de processos e encontrar cerca de 13 mil casos (agulhas no palheiro) relacionados a determinados temas, com o objetivo de demonstrar a satisfação dos requisitos objetivos para a aplicação do instituto de recursos repetitivos perante o Superior Tribunal de Justiça – certamente o primeiro caso em nosso país a usar essas técnicas para essa finalidade.

Também está em andamento um outro importante projeto para monitorar a aplicação da nova legislação trabalhista na Justiça em tempo real, assim como diversos outros para organizar informações nos departamentos jurídicos e escritórios de contencioso de volume para avaliar a performance, afinar políticas de provisão e de acordos, etc.

Isso demonstra que não é só esse contencioso de massa que pode se beneficiar dessa tecnologia, pois é crescente a utilização em casos estratégicos.

Mas nada disso seria possível se não fosse o uso de linguagem natural (uma das técnicas da chamada inteligência artificial) para “ler” esses documentos, tanto pelo volume como pelas informações despadronizadas ou incompletas disponibilizadas nos dados estruturados.

Só depois de organizar os casos exatos para popular a pesquisa, de enriquecer esses dados com todas as informações relacionadas e classificá-los de forma pormenorizada é que, na última camada desses projetos, é possível inferir com alta acurácia e a partir de refinados modelos matemáticos as famosas predições.

É fácil produzir gráficos e dashboards bonitos. Difícil é ter uma informação precisa e correta, com a segurança cognitiva desejada. E tudo isso depende igualmente das pessoas porque, mesmo utilizando o que existe de mais avançado, nada é automático como as manchetes sensacionalistas propagam.

Inteligência Artificial na Justiça

Tem muito estudo, pesquisa, e horas de dedicação de muitos profissionais da área do Direito, que detém o conhecimento e a tecnologia jurídica essencial para fazer as perguntas corretas e, assim como o medico que recebe os exames, determinar o melhor tratamento e acompanhar seu cliente até a solução.

Por tudo isso, precisamos desmistificar essas questões e entender que os robôs sempre vão ser mais eficientes para ler milhares de documentos, organizar, classificar informações, recomendar, sugerir. Mas nunca vão substituir a importância dos profissionais do direito, porque o que foi feito para um estudo não é facilmente replicável para outros (as variáveis sempre mudam) e, especialmente, em função da imprevisibilidade das sempre mutantes dinâmicas sociais e da insubstituível inteligência humana para navegar no incerto.

Enquanto muitos ficam discutindo se seremos substituídos, entregamos casos relevantes com o uso desse ferramental tecnológico, demonstrando na prática que estamos ajudando a sistematizar o direito, a dar o suporte à decisões mais precisas, auxiliando os departamentos jurídicos e escritórios a entregar resultados melhores.  E, da mesma forma, essa tecnologia vai ajudar muito na gestão do Poder Judiciário e demais órgãos públicos, para compreender quais e onde estão as grandes demandas da sociedade e para otimizar o uso de recursos humanos e de seu orçamento.

A formação do profissional do direito para essas novas habilidades e competências é essencial para ter acesso a essas oportunidades. Quem entender isso rápido  vai ganhar mercado e ascensão profissional. Esse é o momento certo para quem conseguir enxergar além dos conceitos equivocados e, com o devido respeito, da replicação de opiniões e textos produzidos por quem não conhece realmente o dia a dia desses projetos. Aproveite!